17.8.08

 

Bicentenário das Batalhas de Roliça e Vimeiro – Lamentável Omissão


Em gozo de férias, visitei, com geral agrado, a exposição que decorre na Galeria Nova Ogiva, em Óbidos, sobre os 200 anos das Batalhas da Roliça e do Vimeiro, no âmbito da evocação de episódios históricos das Invasões Francesas, em Portugal.

A iniciativa, a todos os títulos meritória, que a Câmara Municipal de Óbidos decidiu empreender, não pode, no entanto, passar sem a apresentação de uma sentida nota de pesar, pela lamentável omissão que nela se regista, o que, a meu ver, lhe limita o legitimamente intentado êxito mediático.

Trata-se de assinalar na referida exposição a omissão de um facto ocorrido em 1801, relacionado com a violação do território nacional, por parte do exército espanhol que, em completo conluio com a França napoleónica, invadiu e tomou várias praças da zona raiana alentejana, na chamada Guerra das Laranjas.

Tal designação caricatural provém, essencialmente, de duas circunstâncias : a fraca combatividade lusa nela demonstrada e o episódio do corte de ramos de laranjeira, em frente da vila de Elvas, por Manuel Godoy, o ironicamente cognominado Príncipe da Paz, Primeiro-Ministro de Espanha, favorito da corte e putativo amante da Rainha Maria Luísa, a quem mandou ofertar os ramos, em sinal da sua festejada pessoal vitória militar.

Como é sabido, nesta incursão das tropas espanholas, por território nacional, foram tomadas, entre outras, as praças de Campo Maior, Arronches, Ouguela, Monforte, Juromenha e Olivença, dada a reduzida resistência oferecida pelo exército português, que passava por período de enorme desorganização, de resto, em total consonância com a então deplorável situação geral do País.

Durou escassos três meses o estado de beligerância e em menos de três semanas ficaria concluída esta pérfida invasão espanhola, que reputados Historiadores portugueses consideram a verdadeira primeira das invasões francesas, visto ter ela sido perpetrada, ainda que por espanhóis, mas em resultado de uma efectiva concertação franco-espanhola, em curso desde o final da campanha do Rossilhão.

Aliás, permaneceria de prevenção, na fronteira da Beira-Baixa, um exército francês, sob o comando do General Leclerc, não fossem revelar-se insuficientes as forças de Manuel Godoy.

Se dúvidas ainda houvesse, quanto à perfídia espanhola, elas haveriam de ficar totalmente dissipadas, pelo posterior Tratado de Fontainebleau, de Outubro de 1807, prestes a consumar-se a investida de Junot, em que figuravam, como se sabe, várias divisões do exército espanhol, ávido do esbulho visado naquele funesto Tratado para a soberania portuguesa.

Na sequência da invasão espanhola de 1801, Portugal, enfraquecido no plano militar e mal dirigido politicamente, para alcançar a Paz, foi obrigado a assinar o Tratado de Badajoz, cujo conteúdo fundamental lhe impunha, além de uma pesada indemnização pecuniária, o reconhecimento da anexação espanhola de Olivença, única das praças tomadas que Espanha se recusou a devolver a Portugal.

Este Tratado, todavia, acabaria por ficar posteriormente nulo, por desrespeito da parte espanhola dos seus próprios termos e, finalmente, após a derrota definitiva de Napoleão, em Waterloo, pelo disposto no Tratado saído do Congresso de Viena de 1815, em que foram dadas por nulas e sem efeito todas as violações de soberania perpetradas durante a hegemonia europeia de Napoleão.

Por insistência da delegação portuguesa, nele veio mesmo a ficar consignado, em artigo próprio, a determinação da restituição a Portugal da vila e termo de Olivença, facto que a Espanha se tem recusado a cumprir até ao tempo presente, não obstante a incoerência em que incorre, quando reclama do Reino Unido a devolução de Gibraltar, perdido em 1704, na Guerra da Sucessão, havendo a Espanha reconhecido a soberania britânica do rochedo, pelo Tratado de Utreque de 1712.

Este Tratado nunca foi revogado e a Espanha não dispõe de nenhuma determinação ou recomendação de Direito Internacional posterior que anule o reconhecimento daquela repetidamente contestada soberania, apesar dos referendos já realizados no território, esmagadoramente favoráveis à sua continuação na soberania inglesa.

Tudo isto são factos averiguados, conhecidos e divulgados por Historiadores nacionais e estrangeiros competentes, probos e desprovidos de absurdos complexos objectivamente anti-portugueses.

Mencionar a Guerra das Laranjas de 1801, sem referir o facto mais saliente e duradouro que dela resultou, a perda de Olivença, parece estranho e revela uma de três situações : desconhecimento ou ignorância histórica, lapso inadmissível ou omissão deliberada do facto, por servilismo para com interesses espúrios, o que, a verificar-se, em qualquer dos casos, redunda em vergonhosa falta de patriotismo.

Se alguém deve envergonhar-se de mencionar o nefando acto da usurpação da soberania de Olivença é quem o praticou; nunca quem o sofreu e dispõe da força da razão e do Direito Internacional inteiramente a seu favor.

Portugal, de resto, nos duzentos e sete anos já decorridos e apesar da sua timorata atitude, em relação à reivindicação da sua soberania sobre Olivença, nunca reconheceu o esbulho praticado sobre aquela parcela do território nacional, incorporada na Nação portuguesa desde os distantes tempos da fundação da nacionalidade e definitivamente reconhecida como tal, pelo Tratado de Alcanices, de 1297, celebrado entre D. Dinis de Portugal e D. Fernando IV de Castela.

Este caso constitui, assim, um impertinente espinho nas relações, hoje saudavelmente amistosas, entre os dois estados da Península Ibérica, ambos membros da mesma instância política internacional, a União Europeia, e ambos integrados também na mesma aliança militar internacional, a OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Sendo a exposição referida patrocinada pelo Município de Óbidos, que tem à sua frente um Historiador de conceituada formação académica e pessoa de méritos intelectuais e políticos amplamente confirmados, tal omissão dos factos históricos, aqui brevemente enunciados, surpreende e entristece qualquer português que conheça e estime a História do seu País.

Acresce que a infausta omissão acaba por diminuir o brilho da meritória iniciativa do Município, ao mesmo tempo que desabona o rigor do trabalho apresentado.


AV_Óbidos, 16 de Agosto de 2008

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